Argentina. Carioca.

Eu sempre quis ser mais carioca do que sou. Eu queria ser carioca da gema mesmo, sabe?
Queria ter essa alma dourada, de cabelo que sempre balança com o vento que vem do mar. Queria gostar dessas coisas de acordar cedo só pra aproveitar o dia e pegar uma praia. De tomar água de côco ou açaí. De encontrar os amigos sem precisar combinar. Dizer "passa lá em casa", sem nem saber se eu vou estar lá.
Morar em Ipanema ou morar no subúrbio mas frequentar as mesmas areias. E fazer pedido pro mar da Iemanjá. Dar a volta em Copacabana porque Copa dá uma volta na gente. Passar pelo Aterro e chegar na Lapa. Ficar lá de noitinha, ser uma daquelas gentes que parece que veio cada uma de um lugar.
Queria ter essa vontade de tomar chope gelado toda sexta feira. E, por que nao, nos outros dias da semana também. Queria, até, ser mulher de malandro e dizer sorrindo me engana que eu gosto. Queria escutar bossa nova e saber que foi feita pra mim. Queria gostar de ir ao Maracaña pra ver jogar um time que é do peito. E ir pro Sambódromo quando fosse hora de cantar a Escola do coraçao. Queria esperar, contando os dedos e os pêlos, os dias que faltam pro carnaval chegar. E nao pensar em outra coisa que nao seja samba e amor de verao. De verdade que eu queria.

Mas acontece que eu nasci em Buenos Aires e depois uma vida no Rio escolhi viver aqui.
E aqui tem dias que faz muito frio, nenhum dos dias têm praia, todo mundo trabalha no Carnaval e nao tem morro nenhum pra desenhar pôr do sol. Mas tem outono. Tem folha seca que cai no chao e faz barulhinho quando a gente pisa. Tem vinho, muito vinho, que é bom pra dividir com quem a gente gosta e ajuda a esquentar o frio do inverno. E quando você convida alguém pra sua casa, a pessoa vai e pergunta pelos seus pais, quer saber como vai sua família. E todo mundo se senta à mesa.
Tem vento de primavera que levanta saias e levantou uma vez a minha. Da mesma primavera que deixa um monte de flores e perfume de jasmim no final de novembro pra avisar que é o verão que tá chegando. E aí chegam também os pêssegos que a gente come de noite, porque de noite, no verão de Bunos Aires, às vezes ainda é dia.
Aqui o amor parece que demora um pouco mais pra acontecer. Mas acontece. E o coraçao bate mais alto que as panelas na Plaza de Mayo. E tudo fica doce que nem doce de leite. E lá no alto da Plaza San Martin, bem pertinho dos trens que saem para todos os lados, tem a bandeira azul e branca que combina com o céu todos os dias.

Eu queria ser carioca da gema mas acontece que nasci em Buenos Aires. Então fico sendo assim, uma carioca de Buenos.
Olha, tão ruim não é.

Postagens mais visitadas